LTDN - 2 CHANNEL INSTALLATION VERSION

ltdn - les terra's di nadie é uma instalação em dois canais com duração de 7 minutos, uma co-produção Brasil, Chile e Itália. Trata-se de uma representação visual do 11 de setembro de 1973, dia do golpe militar chileno, e do 31 de março de 1964, dia do golpe militar brasileiro. A poesia testemunho de Antonio Arévalo, las terras di nadie, se mistura às imagens em cinco idiomas, como anuncia o subtítulo da obra - le terre di nessuno_ las tierras de nadie_ as terras de ninguém_ nobody’s land_ les terres de personne. As cenas se sucedem, sobrepõem-se e se completam, formando uma história um continente em permanente invenção. Um não-lugar onde impera a violência e a opressão, representadas como uma babel discursiva e visual. “Os pesadelos afloram do passado novamente, mas de uma forma poética. Ao partir de extratos da memória, mas decididamente olhando para o futuro, ltdn - les terra's di nadie faz parte de um olhar privilegiado sobre os diversos tipos de experimentação audiovisual contemporânea, já que se abre a diferentes formatos e realiza um encontro entre cinema, videoarte e literatura”, comenta o curador italiano Bruno di Marino sobre este trabalho de César Meneghetti, cineasta e videoartista brasileiro que, por muitos anos, viveu e trabalhou na Europa.

Les terra’s di nadie de César Meneghetti

O vídeo de sete minutos Les terra’s di nadie, de César Meneghetti, ora em exibição do MIS-SP, se apresenta como obra política, com suas imagens históricas, de arquivo, referentes aos golpes militares do Brasil e Chile. A presentificação de eventos passados – sejam eles acontecimentos, objetos ou pessoas – pode se tornar um ato político de duas formas. A primeira será inserindo na narrativa recorrente e ininterrupta da atualidade um inventário – em si desprovido de sentido, listas de coisas sem nome – que esta narrativa excluiu. A escolha dessas coisas e não de outras, sua justaposição e sua reapresentação ordenada, dão a elas o sentido ou o nome que o tempo lhes negou. A segunda maneira é tentando modificar o sentido da narrativa atual ao trazer para ela outro sentido – o sentido parcial, construído e individualista de um determinado inventário elegido. Em geral a partir de um claro partido tomado (parti pris).Na primeira, o foco é no que está sendo trazido. O que mais é ressaltado é a existência-não existência das coisas elegidas. Na segunda, o foco fica na narrativa atual, que é solicitada a acolher o que está sendo trazido. No primeiro grupo, por exemplo, há a Rosângela Rennó e a persistência dos vencidos. São os restos das pessoas que não existiram, em forma de fotos velhas, lencinhos usados, cacarequinhos que até há bem pouco estavam no lixo. Ou são os objetos, até mesmo eles, que poderiam ter sido usados para representar esse lixo da história e que se tornaram lixo, eles também. Falo das máquinas fotográficas velhas, enormes, incluídas por Rennó em algumas de suas exibições.O segundo grupo é o que mais recebe a alcunha de arte política. Antonio Dias, para dar também aqui um exemplo. Chega perto do libelo.Meneghetti é mais duro que Rennó e mais sutil que Dias. E faz lembrar os dois.O que ele recupera não é bem os golpes militares citados. É uma parte muito específica desses eventos. São os anônimos que neles foram vencidos. E os recupera através de imagens sem nitidez, monocromáticas ou quase, repetitivas. Repetitivas em concomitância, pois ele divide sua tela em várias projeções simultâneas que, em alguns momentos, chega à pulverização, com a imagem reduzida a quadradinhos, um ao lado do outro. São luzes que passam no teto de um túnel escuro. Paradas militares. O chão seco das terras abandonadas. Sobre isso, o texto que se repete, escrito na tela, ele também repetido, em várias línguas. Você sabe o que é. Você reconhece a silhueta do corpo sendo jogado de um avião. Você só não sabe quem foi.O texto é uma poesia de Antonio Arévalo e é sussurado, quase inaudível, por duas mulheres que se sucedem, elas também pouco identificáveis. As vozes são quase iguais. Os nomes tem a existência breve de um release para a imprensa. São os de Carolina Manica e Patricia Rivadeneira. Quase ao final, a frase que, ao meu ver, mais representa o projeto: “Nunca se souberam as causas de sua vida.” À vista de cadáveres, o que o artista diz, na voz desse outro artista-poeta, é o espanto da narrativa em que nos inserimos todos hoje, quando confrontada com essas vidas para as quais havia motivações. E tão fortes. É um golpe. Mais, muito mais do que baionetas e corpos, eventos passados e (des)conhecidos ou (des)esquecidos, Meneghetti nos põe frente a frente com o que não temos e já tivemos. Ou melhor, com o que temos hoje na forma de ausência (ou presente ao extremo no fundamentalismo religioso de alguns, e, ainda bem, não de todos). Motivação. É esta a ação política desta obra. Mais do que escolher este ou aquele inventário. Ter esta ou aquela escolha política, Meneghetti confronta uma ferida da atualidade. No individualismo em que estamos todos, aqueles corpos, recuperados como indivíduos, trazem, neles, o que o individualismo atual nos nega, um pertencimento. Quando digo este ou aquele inventário me refiro a algo que raramente é abordado quando se fala de arte política. Os vencedores também a fizeram. Através da censura ou desta outra censura disfarçada, que é a distribuição criteriosa das benesses oficiais, os vencedores também poderiam se arvorar o título de artistas políticos.É por isso que considerar o conteúdo da arte como suficiente não é suficiente. Baionetas e corpos servem a qualquer coisa. Uma prática de desestabilização de procedimentos artísticos, isso só quem faz são os vencidos ou os que com eles se alinham.